O Menino da Torre e o Menino da Lua



                Em um lugar muito distante vivia um menino que gostava de ser chamado de Menino da Torre (isso por que ele vivia isolado em uma torre muito, muito alta, feita de pedras e ferro, com seu cavalo - e único companheiro). A torre ficava em uma clareira em meio a uma floresta densa e às margens de um rio cristalino. Este rapaz era fascinado pela lua e a encarava todas as noites através da única janela de sua torre. Por algumas vezes imaginava que poderia chegar até ela se crescesse só alguns centímetros mais, ou se seu cavalo fosse mágico – e ele realmente queria que isso fosse possível. Ele imaginava que estranhos mistérios a lua escondia. Imaginava também como seria sentir  o cheiro que ela tem, a textura do solo e como seria ver a Terra de lá.
                Devo, talvez, interromper a história para contar como o rapaz foi parar na torre e por que ele vive dentro dela. Quando uma guerra tomou conta do país em que ele morava, ele foi levado até a torre com o objetivo de ser protegido. Mas isso fez com que ele ficasse com medo de sair dela e, assim, cresceu e se acostumou a viver por lá. Mesmo depois que a guerra e o medo acabaram, ele raramente saía para a floresta à sua volta. Não se sabe por que ninguém nunca voltou para leva-lo de volta após a guerra, mas dificilmente ele iria querer deixar a segurança e o conforto da torre.
                Mas um certo dia ele foi olhar a lua e não a viu pois havia uma enorme nuvem negra ocultando-a. Isso fez com que o Menino da Torre se sentisse muito solitário na torre fria e cogitasse deixa-la. No dia seguinte, a lua continuava oculta e ele decidiu deixar a torre para caminhar ao redor, na tentativa de ver a lua por outro ângulo. No entanto, sua tentativa foi em vão: a floresta ao redor da torre era muito fechada e só o que ele obteve foi lama em suas botas. Ao voltar para a torre, sentou-se ao lado do cavalo e chorou copiosamente. Foi como se anos e anos de solidão finalmente se manifestassem em seu peito. O cavalo, coitado, olhava para seu companheiro sem saber o que fazer e, na ausência de uma linguagem com a qual pudessem conversar, apenas relinchou, deitou e adormeceu. De tanto chorar, o menino adormeceu encostado em seu companheiro animal.
                No dia seguinte, ao acordar com um feixe de sol tocando o seu rosto, o menino animou-se e acreditou que hoje conseguiria ver a lua de novo. E, dessa vez, daria um jeito de tocá-la. Correu para dentro da torre, pegou todos os livros que leu ao longo de anos e anos de solidão e os colocou na beirada do topo da torre. Também encontrou uma escada e a colocou no alto da pilha de livros. Pegou ainda baús e tudo o que poderia usar como apoio para sua travessia para a lua e os posicionou na ponta da torre.
                Ao chegar a noite, no entanto, a lua ficou novamente encoberta pela nuvem negra e frustrou os planos do menino. Ele, no entanto, não se deu por vencido e decidiu que subiria até a nuvem e a expulsaria, nem que tivesse que brigar com ela e dar-lhe socos e pontapés. Empilhou os livros e baús, apoiou a escada e começou sua escalada rumo à lua – mas, sem sucesso. Assim que subiu o primeiro degrau da escada, toda sua pilha de bugigangas cedeu e ele caiu no rio, bem como tudo o que havia juntado. Ele conseguiu segurar-se em uma árvore à beira-rio, mas suas coisas todas foram levadas pela correnteza. Frustrado e furioso, o rapaz voltou para a torre, selou o cavalo e esbravejou aos céus que iria encontrar um novo lugar para ficar – um lugar melhor, onde ele pudesse ficar em paz com seu cavalo e com a lua.
                O que o garoto não sabia é que na nuvem vivia um outro garoto, que também não foi bem-sucedido na tentativa de alcançar a lua, de onde ele veio. Ele possui asas e, por isso, ao invés de cair no rio, acabou caindo na nuvem negra e densa da qual não conseguiu mais sair por serem fofas e confortáveis (apesar de um choque ou outro que levava de vez em quando). Como não tinha ninguém com quem conversar lá em cima, exceto um ou outro pássaro que às vezes passavam por ele com pressa, sua única diversão era observar o garoto e seus estranhos hábitos solitários na torre. Vez ou outra ele olhava para a lua, mas a saudade que sentia de casa era tanta que ele preferia se distrair olhando para o lado oposto.
                Ao ouvir os gritos de fúria do Menino da Torre, o Menino da Lua decidiu intervir. Quando o primeiro já estava montado em seu cavalo, pronto para seguir viagem, o Menino da Lua deu o grito mais alto que pode, pedindo que o outro esperasse. Com o esforço do grito, o Menino da Lua acabou se desequilibrando e caindo da nuvem diretamente no rio. O Menino da Torre viu e correu para ajuda-lo. Com a ajuda de um galho grande e forte, o resgate foi bem sucedido e os dois sentaram-se ao pé da torre.
                - Por favor, fique! Eu gosto de te ver lá de cima – Disse o Menino da Lua.
                 - Como assim lá de cima? – Quis entender o Menino da Torre.
                - Lá da nuvem. Eu moro lá desde que minha viagem de volta para a lua fracassou.
                O Menino da Torre quase deu um pulo quando ouviu o garoto dizer que estava viajando para a lua. O Menino da Lua então contou quem ele era. Contou como é a lua, contou sobre sua viagem para a Terra e, para não parecer egoísta, fez também algumas perguntas sobre o Menino da Torre – que contou tudo sobre a sua história, que começou com a guerra em seu país e terminou com a tentativa frustrada de alcançar a lua. Não demorou muito para notarem que ambos compartilhavam do mesmo fascínio pela lua e seus mistérios.
                - Embora eu venha de lá, preciso confessar que sei pouco sobre a Lua – disse o Menino da Lua – A lua tem muitos mistérios e perguntas não respondidas!
                Ao saber disso, o interesse do Menino da Torre só aumentou. Eles ficaram tão entretidos com a conversa que nem viram a noite virar dia; e então o dia virar noite novamente. Em determinado momento, o Menino da Torre perguntou ao Menino da Lua o motivo dele ter conseguido vir para a Terra, mas não ter conseguido voltar para a Lua. Então ele contou que ao chegar na Terra foi enganado por um Bruxo que lhe tomou os poderes mágicos e deixou suas asas inúteis.
                - Podemos, com a ajuda do meu cavalo, ir atrás desse Bruxo terrível e tomar os seus poderes de volta!
                - Receio que não – entristeceu o Menino da Lua – Ele usou os meus poderes para ir para a Lua. Foi assim que eu fui parar na nuvem: tentei agarrar-me aos pés dele durante a viagem, mas ele me chutou e, se não fosse a nuvem amparar minha queda, hoje eu estaria em pedacinhos pelo chão!
                O Menino da Lua começou a chorar sem parar, como se anos e anos de esforço para aprimorar seus poderes mágicos não tivessem valido nada. O Menino da Torre, ao ver o outro naquele estado, sentiu algo inédito em seu coração. Não chegava a ser pena, mas algo muito maior. Talvez compaixão ou empatia... Não sei. Mas, não importa. O que importa é que ele foi tomado pelo impulso e, num raro momento de humanidade entre as pedras gélidas da torre, deu um abraço caloroso no Menino da Lua. Os dois ficaram muito tempo abraçados. Uma estranha luz brilhou entre ambos. O choro do Menino da Lua foi diminuindo e o calor entre eles aumentando. Assim que ambos foram tomados por esse calor milagroso e sentiram seus corações em paz, ambos sorriram ao mesmo tempo – ainda que não estivessem se olhando. Os sorrisos foram ganhando força, crescendo... Até que estouraram em uma gargalhada tão contagiante que fez até o cavalo rolar de rir.
                - Nossa, por que estamos rindo tanto assim? – Questionou o Menino da Torre – O que aconteceu com a gente pra ficarmos desse jeito?
                - Não sei! – Respondeu o Menino da Lua, de uma forma que fez com que a crise de gargalhadas recomeçasse em ambos. Não só eles e o cavalo riam, como agora toda a floresta estava se divertindo. Os lobos que adormeciam estavam brincando e rindo entre si. O leão que estava prestes a atacar um cervo caiu na risada e, juntos, rolaram pela floresta de tanto rir. Os peixes do rio saltavam e se debatiam no ar de tanta alegria. Os pássaros dançavam no ar ao som do canto das corujas.
                - Não sei o que aconteceu, mas seja lá o que for, trouxe meus poderes de volta! – Comemorou o Menino da Lua, o que fez com que a alegria na torre e em toda a floresta em volta só aumentasse. A nuvem negra não demorou muito para se dissipar e trazer de volta a visão da lua que parecia um enorme sorriso no céu (que estava mais estrelado do que nunca).
                Quando a euforia passou e a calmaria se instaurou, o Menino da Lua e o Menino da Torre foram até o alto da torre para admirar a lua. Viajar para lá agora era possível com os poderes recuperados, porém, isso já não era mais tão importante assim. Eles só queriam continuar conversando enquanto admiravam a beleza da lua. Onde estavam já não mais importava, desde que estivessem juntos.
                Nenhum dos dois garotos jamais foi visto novamente. Há quem diga que o cavalo foi entregue a uma família de fazendeiros que cuidaram muito bem dele e que os meninos, cansados da frieza da torre, finalmente viajaram para a lua atrás de novas aventuras e vivem lá sempre com um sorriso no rosto, contagiando todos à sua volta.

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