Sede
Era uma tarde quente de verão quando Ele e Ela conversavam. Ele possuía uma garrafa cheia de água fresca, fechada. Ambos conversavam como se tivessem se conhecido há anos, mas na verdade se conheciam há apenas algumas semanas. Todos os dias conversavam, ainda que sobre nada de relevante como o que estavam fazendo no momento, como tinha sido o dia de cada um, se iria ou não chover ou fazer calor...
- Nossa! Incrível como a gente combina, né? – disse Ela, empolgada – Nunca imaginei que um dia encontraria alguém assim como você. Nós gostamos das mesmas coisas, pensamos de forma igual... Falamos tanto que até fiquei com sede!
- Verdade, né? – respondeu Ele, também empolgado – Gosto de conversar com você.
Os dois se entreolharam. Silêncio. Ela quebra o silêncio fitando o horizonte:
- Tá calor hoje, né? E me parece que no calor ficamos duplamente cansados. Se bobear sinto sede o dia inteiro.
- Tem razão. Por isso é importante a gente se manter sempre hidratado... – ele abre sua garrafa e toma um bom gole de água fresca, enquanto ela o observa – Sabe como é... Mas, me fale mais sobre você! Tem planos para o futuro?
- Tenho sim. Não são muitos, mas tenho. Mas nesse momento só consigo sonhar com um caminhão de água potável pra eu beber sem parar, ou pelo menos até sanar minha sede.
Ele ri.
- Você é realmente uma pessoa interessante. Eu tenho vários sonhos... Mas o principal é ser feliz e bem sucedido, tanto profissional quanto pessoalmente. Encontrar alguém bacana como você para compartilhar os bons momentos, dividir as angústias, fortalecer e ser fortalecido...
- Você é um fofo – ela responde, com um sorriso cativante – Pelas nossas conversas vi que você é muito inteligente e criativo, não tenho dúvidas de que será bem-sucedido. Além de ser um fofo. Provavelmente, o namorado perfeito. Você está solteiro mesmo? – Brincou Ela, dando um soquinho no ombro dele.
- Que perfeito que nada. – Respondeu ele, sem jeito. – E estou solteiro sim. Aliás, devíamos sair mais vezes.
- Podemos combinar algo sim.
- Beleza! Podíamos combinar de beber algo.
- Vamos, claro! Tô morrendo de sede, viria bem a calhar. Topa?
- Topo sim, mas hoje não... – Ele bebe mais um bom gole de água - Tenho um monte de coisas para fazer e estou cansado... Deve ser o calor.
- Deve ser mesmo.
Os dois se olham. Ela lhe oferece um sorriso amarelo.
- Já te disse como seu sorriso é lindo?
- O seu também é...
- Obrigado.
- Você é muito bonito, aliás. – Ele sorri para Ela – Me dá um gole da sua água? Estou morrendo de sede.
- Ih, a água tá quente. Pra matar a sede é bom água gelada. Jamais te daria algo que não fosse bom, afinal, você merece o melhor. Ah! E por falar em água, eu detesto beber água... – Ele sorri – Sei que precisamos beber e tal, mas não consigo. Só consigo beber água se for gelada e se eu estiver com muita sede. Às vezes dá dor de garganta, mas...
- Mas é água, né? Quando estamos com sede o que importa é nos hidratarmos.
- Realmente! – Ele bebe mais água - Mas cuidado, hein? Tem que tomar a dose certa de água. Ouvi uma vez uma história de uma mulher que tomou água demais e...
Antes que Ele continuasse a história, outro rapaz - bem vestido, mas suado devido ao calor - os interrompeu com um sorriso simpático.
- Com licença, desculpa atrapalhar. Mas é que eu gostaria de saber onde posso conseguir água fresca pra beber. Estou precisando comprar umas garrafas pra matar essa minha sede danada.
Ele não gostou da interrupção. Ela alegou que também estava com sede e Ele, meio a contragosto, levantou-se e deu as indicações para o rapaz. Mesmo notando o ar ríspido de Ele, o rapaz lhe agradeceu pelas indicações e, antes de partir, convidou-os para acompanhá-lo.
- Agradeço, rapaz. Mas estamos conversando aqui e o papo está ótimo. Valeu, viu? – Respondeu Ele, já se sentando.
Ele já estava abrindo sua garrafa de água quando o rapaz virou-se de costas para seguir seu caminho. Porém, Ela, num salto, gritou para o rapaz:
- Espera! Eu vou com você. Olha, o papo está realmente ótimo, mas eu estou morrendo de sede. Estou com muita sede, mesmo! Desculpa e com licença. Rapaz, me espere!
Ela segurou no braço esquerdo do rapaz e ambos seguiram o caminho conversando. Ele, emburrado, bebeu de uma só vez todo o conteúdo restante em sua garrafa (havia cerca de meio litro). A água que transbordava de sua boca lhe encharcara o peito. Ao fechar a garrafa vazia e atirá-la longe, Ele viu-se não apenas ensopado e sozinho, mas – pasmem – com sede. Só que não era sede de água, nem de líquido algum. Era sede de alguém, de companhia.
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