Bem-Te-Vi na Janela




Olhei para a janela e lá estava um Bem-Te-Vi bem pequenino e muito bonitinho.
Primeiro quis tirar fotos para eternizar sua graça e inocência. Mas a distância entre nós era um problema, então me aproximei o máximo que pude. Não queria assustá-lo. Pude sentir o teu medo, mas também entendi que estava me dando o teu voto de confiança (talvez por que você ainda não saiba como voar, ou eu tenha confundido sua permanência confidente com o cansaço das tuas aventuras). Tirei algumas fotos, mas logo perdi o interesse nelas e passei a reparar em como você era bonito e frágil e estava bem à minha frente. Passei a querer lhe envolver nas minhas mãos e fazê-lo meu amigo, meu protegido (se você fosse um tanto maior, lhe aninharia em meus braços e não permitiria que ninguém se aproximasse).
A vontade de cuidar de você era tanta que tentei me aproximar. Nossos corações pulsaram fortemente. Você sentindo medo e eu anseio.
Mas e se, ao te ter nas minhas mãos você fugisse? E com razão... Minhas mãos talvez não sejam tão seguras, já que são como uma prisão para você. Melhor apenas tocar você. Fazer um carinho e te manter por perto sem medo. Alimentar a confiança entre nós ao invés de impô-la a você. Prefiro ter você ao alcance dos meus olhos do que correr o risco de te perder ao tentar tê-lo por inteiro. Vamos devagar, ok? Primeiro resolvemos o medo da proximidade, depois contamos nossas histórias um para o outro e aos poucos nos tornaremos grandes amigos. Uma vez que nossas duas almas se conectarem, não haverá mais medo e nem receios. Seremos duas partes de uma só alma pronta pra voar ou ficar.
Hmm... Pensando bem; se eu fosse um pássaro como você, iria querer voar o mundo todo, todo dia conhecer um lugar diferente, enfrentar novos perigos entre tempestades e predadores, aprender novas músicas pra cantar e novas janelas ou ninhos pra pousar e repousar. Odiaria me sentir preso a alguém, a algum lugar. Se me colocassem em uma gaiola eu certamente morreria. E a prisão que mais dói é o abandono de quem amamos. É o tipo de prisão que levamos com a gente mesmo com asas e liberdade para ir e vir quando e pra onde quisermos.
Pensando desta forma, talvez eu não deva me aproximar mais de você. Você só se sentirá tão preso quanto eu, se decidir ficar. E eu jamais terei asas para lhe acompanhar em seus voos e aventuras. Não quero que o meu abandono seja a sua prisão, ou que a sua companhia lhe custe a liberdade de voar.
É, não tem jeito. Entristeço, mas me parece que a única forma de sermos felizes é se permanecermos assim: eu aqui e você aí. Ou onde mais você quiser como destino. Por mais que eu queira te proteger do mundo (que é tão grande e você tão pequenino) e te dar todo o meu carinho como prova da nossa amizade, isso só nos faria infelizes. Não posso cuidar de você pra sempre, mas posso lhe oferecer alimento, água e abrigo. Posso até cantar pra você não se sentir sozinho, como fizemos hoje de manhã. É, vai ser ótimo cantar com você de novo.
Seus semelhantes agora te chamam e acho melhor você os acompanhar. Deve ser seus pais querendo cuidar de você de verdade. Ou seus amigos sentindo sua falta. Pode até ser sua alma gêmea querendo te reencontrar. Vai, passarinho, vai ser feliz! Vá em busca da tua família e que ela seja aquela na qual nunca te falte amor. Vá voar pelo mundo até encontrar o teu ninho, o lugar onde encontrará refúgio e abrigo. Mas só o chame de lar quando estiver seguro de que nele você estará protegido do mundo lá fora, combinado? Vá feliz e, com sorte, você encontrará outro Bem-Te-Vi pra voar junto contigo, sem nunca te abandonar ou te aprisionar. Mas se não o encontrar, não tem problema: você já é feliz voando sozinho. E você tem um amigo bem aqui, alguém que você pode visitar sempre que precisar. Ou sempre que quiser contar suas histórias pelo mundo. Vou adorar ouvi-las e, se me permitir, até escrever sobre algumas delas para que outras pessoas conheçam você e se sintam livres para voar com as tuas asas, ver o mundo com os teus olhos. Esse é o poder da literatura: emprestar nossas histórias para que outras pessoas a vivenciem.
Vá, meu amigo, meu pequeno amigo. Não esqueça de mim, nem da minha janela. Estaremos sempre aqui por você.


Com amor, 
Renato C. Leiva.

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