Num Passe de Mágica




Num tempo que já se foi, mas ainda há de chegar, um habitante da Lua veio parar em um dos quatro cantos aqui da Terra, atrás de novas aventuras. Ele gosta de ser chamado de “Menino da Lua”, ou “Melu”, para encurtar.

Desde que chegou, Melu tem causado confusões e até ajudado algumas pessoas com seus poderes mágicos. Sua personalidade gentil e amigável tem cativado os poucos humanos da Terra que não temeram suas asas e se aproximaram dele. Um desses humanos foi um mágico, que possuía uma beleza invejável e vestes finas. Era sempre simpático e carismático quando visitava a cidade, mas muito introvertido e taciturno quando se encontrava em privacidade.

O mágico adorava fazer exibições de seus truques em feiras na cidade, o que cativava as pessoas, mas também o fazia temível. Todos queriam o mágico como amigo, ou melhor dizendo, como aliado, mas ninguém o queria próximo de si mesmo. Mães e pais proibiam seus filhos de se aproximarem do garoto. Isso por que seus truques de mágica impressionavam, mas também deixavam as pessoas inseguras. Todos consideravam o rapaz alguém poderoso e temiam o que ele poderia fazer com seus poderes. Temiam ser escravizados, hipnotizados ou roubados por ele. E ele, como um jovem astuto, percebeu que não era tão aceito pelas pessoas como gostaria e como elas faziam parecer.

Toda vez que havia uma celebração na cidade, ele não era convidado. Sempre que alguma fofoca surgia, ele era o último a saber. E não era por que ele morava na floresta, afastado da cidade, já que o lenhador e a caçadora também moravam por lá e não eram tratados da mesma maneira.

Foi num dia desses em que a cidade celebrava um festival para o qual ele não fora convidado que ele conheceu o Menino da Lua - ao caminhar solitário sob as estrelas à beira do lago da floresta, no qual o garoto extraterrestre brincava inocentemente. Os dois conversaram sobre a beleza das estrelas e o Mágico riu por não acreditar que o garoto viesse mesmo da lua. Quando o garoto lhe mostrou suas lindas asas de prata, que reluziam com o luar, molhadas e cristalinas, o Mágico primeiro estremeceu, depois teve um acesso de riso. Melu não entendeu nada e sentiu-se um pouco ofendido.

Quando, depois de muito tempo, o Mágico parou de rir, finalmente este se explicou:

- Que bom que te encontrei! Achei que eu era o único ilusionista desta região! Vamos, eu tenho uma cama extra em minha casa, na qual poderá passar a noite e, amanhã bem cedo, poderei te ensinar truques ainda melhores do que estas asas de mentira.

Ofendido por ter os seus poderes diminuídos a mera ilusão, o Menino da Lua ficou um pouco relutante em aceitar a oferta, mas a vontade de aprender novos “truques” com alguém alguns poucos anos mais velho – e provavelmente mais experiente com assuntos mágicos - falou mais alto. Além do mais, uma cama quente é preferível ao monte de folhas secas da floresta.

No dia seguinte, assim que o sol raiou, ambos (o mágico e Melu) já estavam de pé saciando a fome com um banquete matinal no suntuoso castelo do Mágico. E, ao encherem o estômago com a melhor refeição de suas vidas, ambos foram para a floresta, onde o Mágico prometeu ensinar novos truques ao Menino da Lua sem que fossem vistos por habitantes da cidade.

Primeiro, o Mágico pediu a Melu que lhe mostrasse uma técnica de ilusão. Melu atendeu à solicitação de seu tutor e, num passe de mágica, ambos estavam em um lugar completamente diferente, em que os rios eram feitos de creme, as nuvens de algodão doce, as árvores eram folhadas à ouro e os pássaros tocavam e cantavam como uma orquestra celestial. O Mágico ficou maravilhado, mas pediu que o garoto desfizesse o feitiço.

- Foi bom, mas é sonhador e idealista demais. Ninguém acredita numa ilusão como essa! Ilusões grandiosas demais são patéticas.

O garoto ficou chateado e pediu que seu novo mestre das “artes mágicas” lhe ensinasse como fazer uma ilusão boa o bastante e este se prontificou a lhe mostrar um bom exemplo. Ele então executou um truque simples e tão banal que deixou o Menino da Lua sem saber como reagir.

- Viu? Essa é a verdadeira mágica! Mágica é um truque que se aproveita da distração da vítima para lhe causar uma impressão. Essa que te mostrei é genial e digna de apreciação e aplausos de toda uma multidão. Viu como é simples e tão realista que até parece mágica de verdade?

Maravilhado com a explicação do Mágico, Melu o aplaudiu com entusiasmo.

Depois, o Mágico pediu ao garoto que lhe explicasse como são feitos os seus truques. Confuso, o garoto disse que não sabia truque nenhum. Tudo o que ele tinha que fazer era desejar profundamente que uma mágica acontecesse que ela se realiza em seguida. O Mágico insistiu em saber sobre como o suposto poder mágico de Melu funcionava e ele lhe confidenciou que seus poderes mágicos foram cedidos pelas Fadas Lunares e pelos Elfos Solares, no dia do seu nascimento, mas só se tornaram utilizáveis depois de muito treino e esforço diários. Ele contou também que a energia que lhe dá os poderes mágicos é encontrada em suas asas.

O Mágico ficou curioso e quis saber o que aconteceria com o garoto se suas asas fossem retiradas dele. Ele contou, então, que ele se tornaria um humano comum e que seus poderes seriam transferidos para alguém que tivesse seu sangue nas mãos e pronunciasse algumas palavras mágicas que ele confidenciou ao Mágico.

A lua e as estrelas já encobriam o céu e, por isso, o Mágico deu o dia de treinamento por encerrado, convidando novamente Melu para passar a noite em seu castelo. O garoto aceitou e deu um forte abraço de agradecimento ao generoso Mágico.

No dia seguinte, o garoto acordou e comeu o banquete matinal sozinho. Perguntou sobre o Mágico a um dos criados que lhe disse que seu amo foi à cidade logo cedo para tratar de negócios. O Menino da Lua esperou, esperou e esperou… E o mágico apareceu apenas depois do almoço, às pressas, convidando o garoto para ser seu assistente em uma de suas apresentações na cidade. Melu não pensou duas vezes e aceitou o convite. No longo caminho até a cidade, o Mágico perguntou sobre como era a lua, se era possível que um humano comum morasse lá, se era segura a viagem para lá mesmo com a chuva que se aproximava e o garoto respondeu positivamente a todas as perguntas, exceto a última - já que ele nunca havia viajado para a Lua durante uma tempestade como a que ameaçava cair na cidade.

Ao chegar na cidade, todos os habitantes já estavam na praça, aguardando pelo Mágico e seu novo assistente. Assim que chegaram, o Mágico foi direto para a apresentação principal: um truque de ilusionismo com o garoto. Com mais um de seus truques simples, mas que deixavam Melu distraído, o Mágico fez com que o garoto se ajoelhasse para pegar sua cartola. Nesse instante, com Melu de joelhos, o Mágico retirou uma faca de seu paletó e cortou as asas do Menino da Lua, fazendo com que o sangue do garoto espirrasse em suas mãos enquanto pronunciava as palavras mágicas confidenciadas a ele. No mesmo instante, as asas mágicas de Melu se uniram ao Mágico, que praguejou contra a falsidade de toda a cidade e levantou voo em direção à lua.

O Menino da Lua, esperto, agarrou-se às pernas do Mágico e tentou, mesmo com dor, recuperar suas asas e seus poderes, mas foi em vão. O Mágico conseguiu chutá-lo e voar para longe, tão longe que, aos olhos de quem ficou, se misturou com as estrelas. Melu cairia em queda livre em direção a praça da cidade, não fosse uma nuvem grande e fofa que lhe amorteceu a queda e lhe aninhou como uma mãe que aninha o filho ferido. Ao se chocar com a nuvem, um raio anunciou o início de uma grande tempestade.

Derrotado, Melu chorou tantas lágrimas que fez chover sobre a cidade por muitas horas. Os cidadãos voltaram apressados às suas casas e nunca mais se ouviu falar sobre o Mágico. Há quem diga que ele chegou à lua e foi punido pelos Elfos e Fadas por roubar os poderes de Melu, mas há também quem jura que o viu colidindo com um cometa antes mesmo de chegar a Lua e que agora ele vaga pelo universo como uma estrela cadente concedendo desejos a quem o vir - como forma de se retratar pelos seus atos desonestos.

(Este não foi o fim de Melu. Se quiser saber para onde as nuvens o levaram e o que aconteceu com ele depois de perder seus poderes, leia este outro conto: https://crovellar.blogspot.com/2018/10/o-menino-da-torre-e-o-menino-da-lua.html)

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