Yang



Amar é sempre uma novidade, uma experiência única.

Na primeira vez me culpei pela falta de atitude. Até que me senti um idiota por, em outra oportunidade, eu tomar atitudes demais. "Se importe menos", "demonstre mais"... sempre ouvindo os conselhos e avisos certos para as situações erradas. Amei, fui amado... Ufa! Achei a fórmula, mas... não durou. Morreu em mim e morreu nele e ficou tudo bem. Amigos, enfim. "Não era pra ser".

Mas a vontade de amar alguém persistiu. Não aprendi nada em 24 anos de encontros e desencontros? Sim, aprendi, me tornei autossuficiente, mas não é esse o ponto. Vez ou outra quero compartilhar esse amor com alguém. Não precisa ser pra sempre, só precisa ser recíproco (pelo tempo que durar).

Eis que você entra pela porta da sala de aula e naquele momento está dado o veredito: este homem fará parte da minha vida de forma significativa. Quem definiu isso eu não sei, só sei que pude ouvir a sentença vinda de dentro. Com a ajuda de uma amiga nos aproximamos... Juro de pé junto que houve trocas de olhares. Nossa conexão já existia muito antes de ter sido percebida. Eu me controlo. Você revela que namora. Boom!!! O fim de uma era, o desperdício de todo um plano bem arquitetado de aproximação. O conto de fadas sem final feliz. O investimento sem o retorno esperado. Essa história rápida de amor termina aqui.

...

Mas... Não.

Você me chama, puxa assunto e insiste. As brincadeiras surgem naturalmente e com a mesma espontaneidade passam dos limites. A piada vira intimidade, a intimidade dá espaço para o toque e o toque leva ao querer mais, ao desejo proibido, que me faz pensar nos mitos que enfim reforçam a visão dos contos de fadas. Você está na minha tanto quanto eu estou na sua. Eu me afasto para não degustar do fruto proibido, para não despertar a princesa adormecida ou ainda beijar a fera, mas você é mais forte do que isso. Você parece me querer mais do que eu te quero e isso me atiça mais, como se eu fosse a fênix querendo permanecer nas cinzas e você a promessa do fogo que me fará abrir as asas flamejantes novamente. Qual a dificuldade de assumir os teus sentimentos? Aceito ser teu ainda que em segredo. Tudo bem a sua indecisão, ainda tenho muito o que viver e melhorar em mim para ser digno de ti por inteiro, mas aceito de ti as partes que me cabem.

Vulcão que entra em erupção, eis meu coração e o sentimento dentro dele que, temendo estar esperando certezas demais, toma uma atitude descabida. Queria que tivesse sido um beijo roubado que lhe afetaria como um encanto de uma poderosa feiticeira. Mas não. Optei pelo respeito a ti e ao que lhe é caro. Coloquei-me no lugar de rejeitado esperando que você o negasse. Ergui fronteiras tais quais a torre que guarda a princesa na esperança de que você mataria o dragão e me tiraria dela (confesso: havia nesta esperança uma boa parcela de certezas). Mas o que tínhamos era especial apenas para mim e coube a mim, após o luto, vencer o dragão e descer as barreiras sozinho. Você de fato ama outro alguém. Não importa o que aconteceu ou deixou de acontecer, teu coração já fez uma escolha e esta não sou eu.

A dor foi tamanha que pensei não ser possível conviver contigo (no momento da rejeição não há viver, mas um arquetípico senso de continuar existindo, vivendo. Com o "não" morre uma vida que nem chegou a ser gerada, diferente de um "talvez", um "não sei" ou "estou confuso". Morre o "nós" e permanece o "eu e você"). Claro que depois tudo volta ao normal e a tragédia grega mais parece um drama pastelão.

Me afastei de ti na esperança de encontrar um novo preenchimento para este espaço que supostamente ficou, mas não foi o caso. Descobri que não há vazio em mim. Sou Yin por inteiro, sou completo como sou. O que vi em ti foi a possibilidade da troca, do desafio. O Yang para equilibrar o meu Yin e juntos seríamos mais do que dois seres: seríamos um conceito, uma ideia (ou, para simplificar, duas pessoas que olham uma para a cara da outra e pensam; juntas e unânimes: "por que eu ainda estou com você?". E, juntas, respiram fundo e, ao olhar fundo nos olhos entendem que é por que uma é a semente da transcendência da outra). Eu não preciso de você para existir, comer, transar, respirar ou ser, mas você é aquele que me fará ir além da minha existência individual. Que me tirará o chão dos pés, mas me envolverá com suas asas de anjo para que eu possa aprender a graça e os riscos de voar. Quando eu raciocinar ou problematizar demais, você será aquele que me fará espontâneo com o delicado toque angelical de suas mãos. Quando a vida parecer opressora ou indelicada ou sem graça demais, você será o motivo que me fará rir ou que me dará liberdade para lamentar. Quando eu for noite você abrirá a janela e fará o dia raiar; mas também será aquele que encerrará um dia longo demais ao baixar as venezianas e fazer surgir as estrelas. Quando tudo for sério demais, você será a piada.

Seria. Por que você não é. Ou melhor, é. É isso tudo e muito mais, mas não pra mim. Eu cheguei tarde demais agora reconheço que não sou o seu verdadeiro Yin. Perdoe-me por, vez ou outra, ter tentado ou desejado mudar isso, tirando de ti a liberdade (ou a graça) de escolher qual a felicidade que você quer para si.

Hoje somos amigos e quero-te bem. Mas confesso que ainda não sei como lidar com este profundo desejo de transcender que você despertou em mim. Ninguém sacia essa curiosidade que tenho por ti. Nenhum lábio convence como os teus. Nenhum olho, por mais verde e brilhante que seja, revela como os teus. Nenhum outro anjo tem cativado minha fé e devoção como tu. Mas não te culpo, nem insisto, pois amo-te tanto que quero te ver feliz e saciado. Quero ver-te transcendendo a si mesmo, ainda que partindo de raízes que crescem de outro coração que não o meu.

Demorou, mas enfim aceitei que não nos pertencemos. Somos partes compatíveis que não se encaixam. Talvez nem sejamos do mesmo quebra-cabeças. Embora eu ainda anseie por arder com o teu fogo, sei que ele é melhor usado aquecendo um outro alguém. E embora eu sinta sede, tua água já tem um destino no qual não posso intervir sem que eu termine afogado ou responsável por um maremoto.

Queria ser possível sermos amigos comuns, com interesses e sentimentos mútuos e ordinários, mas isso é impossível, ao menos por enquanto. Você é a prova de que amor não é sobre posse, mas sobre o quanto ainda precisamos aprender sobre a vida e suas maravilhas. É sobre transcender a si mesmo. Quero você comigo pelo tanto que me faz rir e pelo bom homem que você é. Gosto do teu jeito desajeitado, da tua voz e das muitas mensagens seguidas que você repentinamente me manda. Gosto de você por inteiro, ainda que não admita isso (e vez ou outra reclame de algo em ti para chamar sua atenção, ainda que isso não faça nenhum sentido para você).

Sinto sua falta quando você não aparece e me sinto vazio, às vezes, por não despertar o mesmo em você. Quero virar a mesa, quebrar as regras, me rebelar e sentar com você durante o trabalho mesmo estando em grupos diferentes. Juntos nós somos revolucionários. Mas se essa vontade não é recíproca, não vale a pena alimentá-la. Nada que não é recíproco vale muito a pena, né? Apesar disso, sei que nossa amizade é sincera e você é um dos poucos que não permitirei que o tempo apague.

Depois de dizer tanto do que nunca foi dito, quero lhe agradecer. E com gratidão encerrar este texto. Você só me ensinou coisas boas e eu sempre lembrarei dos nossos momentos como os melhores momentos do que vivemos em comum. Você é parte importante da minha formação e, também por isso, levarei você e nossas memórias para sempre comigo. Somos indissociáveis, mesmo que ninguém nunca mais nos veja juntos. Mesmo que nunca tenhamos sido aquele casal que todos imaginaram (e pelo qual muitos torceram).

Mas sempre, SEMPRE, fomos os amigos que ninguém imaginou. E você é uma das pessoas mais incríveis que já conheci.

Muito obrigado!

Com amor,
Renato C. Leiva.

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